Cálculo, Matemática, Física, Química… Noções de Economia, Administração de Empresas, Direito, Sociologia, sustentabilidade. Se essas disciplinas parecem ter pouca relação com a Engenharia Florestal, saiba que não é nem de longe o que acontece na realidade de quem estuda e de quem lida com a profissão, que comemora em 12 de julho sua data oficial. Atualmente, 15 mil profissionais esforçam-se para dar ao país uma nova dimensão desta atividade, que estaria, na verdade, mais próxima das especificidades técnicas das engenharias do que propriamente de antigas concepções relativas à proteção das florestas.
Em 62 cursos espalhados pelo país, onde são formados todos os anos cerca de 1.500 novos engenheiros florestais, eles vêm se aproximando gradualmente das demandas mais complexas de uma gestão ambiental e de uma indústria focadas no manejo sustentável e multidisciplinar de espécies nativas, deixando cada vez mais em segundo plano, ao menos na teoria, os reflorestamentos por espécies exóticas como o eucalipto e o pinus, ou ainda as autorizações de colheita florestal, que caracterizavam a atividade há algumas décadas.
Representação
No sistema Confea/Crea, onde somam cerca de 11 mil registros, os profissionais conquistaram este ano a criação da Câmara Especializada de Engenharia Florestal, aprovada pela Decisão Plenária 724/2012. A Câmara está em fase de implantação. De acordo com o engenheiro florestal e chefe da Assessoria de Comunicação e Marketing do Confea, José Demetrius Vieira, as demandas da classe terão pela primeira vez voz no Conselho, inclusive na Semana Oficial da Engenharia e Agronomia (SOEA, marcada para novembro). “Acompanhamos as reuniões da Rio + 20 e vamos tentar levar à SOEA um programa definido para fortalecer as competências dos engenheiros florestais, como o manejo florestal, além de procurar orientar a fiscalização em todo o país através de um arcabouço legal construído em diálogo com a categoria”, diz.
A representação da categoria se faz também através da Sociedade Brasileira de Engenheiros Florestais (SBEF), atualmente presidida pelo conselheiro do Crea/SC Gilberto Ferreti. Segundo ele, o atual quadro ainda é insuficiente para atender à demanda do país, crescente de acordo com a evolução tecnológica do setor. “Há cerca de 10 anos não possuíamos a metade dos cursos atuais”, considera. Ferreti atribui a exigências do mercado, como a Certificação Florestal, o crescimento desta demanda por profissionais.
O presidente da Sbef ressalta que a maioria dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento ainda é promovida pelas grandes empresas, públicas e privadas, em torno das culturas de pinus e eucaliptos. “Isto não significa que não existam trabalhos com outras culturas como a araucária e outras nativas, porém em menor volume e na maioria ligados a instituições de ensino e pesquisa que procuram integrar Universidades e empresas”.
Parâmetros
A experiência profissional da consultora de meio ambiente para agências internacionais, Anna Fanzeres, e do assessor da Subsecretaria de Desenvolvimento Sustentável da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Fernando Castanheira Neto, com o monitoramento do serviço florestal brasileiro acrescenta alguns parâmetros à discussão sobre a realidade da atividade. Os dois engenheiros florestais, respectivamente formados pela UFRRJ e UnB, descrevem os principais momentos que marcam a história da profissão.
Coube a Navarro de Andrade, em 1904, a introdução de eucaliptos, vindos da Austrália, para prover os dormentes das estradas de ferro do país. Na década de 30, é estabelecida a Associação Nacional dos Produtores de Celulose, atendendo à demanda por indústrias de base que viriam a caracterizar a Era Vargas. A ordem era reservar para estes profissionais a tarefa de “abastecer” os mercados de celulose (fibra e papel) e de siderurgia (carvão vegetal). Não por acaso, até a década de 60, estes profissionais eram reconhecidos como “engenheiros de reflorestamento” e, ainda, “engenheiros silvicultores”.
A criação do Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal (IBDF), em 1966, e, um ano antes, a publicação do Código Florestal, estabeleceram novos cenários para a atividade. “O setor se tornou estratégico para os militares”. Os primeiros cursos (há uma querela entre as universidades federais de Viçosa (MG) e do Paraná quanto a sua primazia) só surgiriam nos anos 70, quando é criado o Fundo de Investimentos Setoriais Florestamento/Reflorestamento (Fiset). É dessa época também, de 1968, a criação da Sociedade Brasileira de Engenheiros Florestais.
Fernando Castanheira, ex-diretor da Sbef, ressalta que o movimento ambientalista daquela década promoveu novas referências, como a gestão ambiental e o avanço tecnológico multidisciplinar. “Já nos anos 80, a celulose de papel se mostrava preocupada com a melhor tecnologia, a ponto de a própria indústria desenvolver, no Sul e Sudeste, escolas de florestamento. O setor privado sempre foi mais fundamental, inclusive através do capital internacional de grandes empresas, que identificavam no país vantagens como território, solo, luz”, conta, apontando também o gradativo incremento da participação da sociedade civil organizada.
Em seguida, passa-se à etapa atual, em que a engenharia florestal identifica-se com o manejo sustentável, de acordo com as práticas mais avançadas em vigor no mundo, como o estudo da maior diversidade possível de espécies. “O desafio da sustentabilidade flutua com outras demandas políticas como a mineração, a energia”, pondera a consultora Anna Fanzeres. “O manejo florestal cabe apenas ao engenheiro florestal”, ressalta.
Manejo e engenharia
Esse processo teve como marcos mais recentes, no país, a criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama, em 1989), a criação do Programa Nacional de Florestas (PNF, 2000, que deu origem ao atual Conselho Nacional de Florestas), a Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei nº 11.284/2006), a criação do Serviço Florestal Brasileiro (2006) e, por fim, a resolução 406/2009 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama, sobre os parâmetros técnicos do Plano de Manejo Florestal Sustentável).
“Os estados produtores adotaram regras em comum sobre a retirada da floresta, estabelecendo reservas legais para o manejo e gerando uma responsabilização comum maior”, acrescenta Anna, esclarecendo que a atual polêmica sobre o Código Florestal, na verdade, não está diretamente relacionada com a Engenharia Florestal porque ele se refere ao uso do solo, abrangendo florestas e outras formas de vegetação. Hoje, ressalta, o arcabouço legal que envolve a engenharia florestal preconiza que as florestas nativas podem ser concedidas para o manejo florestal, assim como doadas para comunidades extrativistas. “Mas o manejo hoje é um licenciamento, não é visto nem exercido como uma obra de engenharia. Se o engenheiro florestal não for valorizado, vamos enterrar o manejo florestal. E o Confea tem um papel fundamental para cortar na carne e mostrar a cara boa da engenharia florestal do país”, destaca Fernando Castanheira.
A atividade atua direta e indiretamente sobre áreas como a siderurgia, a construção civil, a produção de fibras e papel e ainda as indústrias de embalagens e farmacêutica. Em busca de investigar como se dão as implicações econômicas, sociais, comunicativas e até mesmo culturais das populações envolvidas nestes processos, a engenharia florestal se apresenta como uma das profissões mais importantes do novo milênio. “Ela não está só no campo, está em nível de decisão. A sociedade não entende ainda a importância das florestas para o país, enquanto nós procuramos tentar trazer uma linguagem nova para as políticas de engenharia florestal, evoluindo para o conhecimento existente e para a inovação, inclusive para cobrar da indústria o uso de dados técnicos por parte dos engenheiros e também cobrar, do profissional, a responsabilidade sobre suas decisões e até mesmo para trazer a discussão do manejo florestal para a real, até para saber se ele é viável ou não”, ressalta Anna Fanzeres.
Henrique Nunes
Assessoria de Comunicação e Marketing do Confea