A reportagem do Confea entrevistou o conselheiro da Divisão de Negociação e Serviços do Itamaraty, George Marques, que no dia 28 de setembro esteve na sede do Confea para a assinatura do Termo de Reciprocidade entre o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) e a Ordem dos Engenheiros de Portugal (OEP). Pelo documento assinado, os profissionais passam a ter mobilidade para exercer a profissão tanto no Brasil como em Portugal, alterando a realidade do fluxo profissional entre esses países.
Engenheiro de computação, formado pela Unicamp, Marques destacou o ineditismo do Termo, ratificado no último dia 28, em Portugal. Na entrevista, o conselheiro do Itamaraty reforça a importância dessa iniciativa histórica e como ela possibilita uma nova perspectiva para os profissionais e para os países. O termo passa a vigorar a partir de 01 de janeiro de 2016.
Confira a entrevista do conselheiro da Divisão de Negociação e Serviços do Itamaraty, George Marques:
Ao acompanhar a assinatura do Termo de Reciprocidade entre Confea e OEP, o senhor declarou que “o entendimento entre instituições norteia e melhora as relações internacionais”. O senhor poderia aprofundar esse assunto, nos dizendo como e em que intensidade esse tipo de entendimento vem ocorrendo entre instituições brasileiras e estrangeiras?
É uma dimensão relativamente nova das relações internacionais. A gente costuma entender o sistema internacional como um sistema intergovernamental, ou seja, as relações se dão entre governos. Entretanto, na questão do exercício profissional, da regulamentação de profissões, extrapola as competências governamentais, e isso cabe a entidades como Confea, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), CFM (Conselho Federal de Medicina), que são autarquias com essas atribuições. No caso desse termo, ele é inédito, histórico, um grande passo, extrapola a esfera governamental, mas cumpre o objetivo que os Estados assumem. É a primeira vez desde que estou lidando com esse tema de comércio de serviços que vejo entendimento entre instituições em prol da abertura de mercado de serviços profissionais, com reconhecimento da autorização para exercer a profissão de um Estado no território de outro Estado. Queria que outras associações profissionais tivessem esse sentido de urgência. O Confea teve um pensamento mais amplo, engenharia como profissão globalizada, sem corporativismo, o engenheiro brasileiro terá oportunidade tanto lá fora como aqui de aprender com profissionais de outros países. Foi um passo além do pensamento corporativista de restringir o pensamento ao mercado doméstico.
O governo considera estratégico e de interesse nacional esse termo assinado?
A engenharia é uma das profissões-chave. No momento em que o Brasil tem sérios problemas de infraestrutura, gargalo de logística, a engenharia é o componente fundamental para superar esses entraves. Sabe-se que existia uma demanda por engenheiros especializados, e essa demanda não era completamente satisfeita pelo mercado brasileiro. Existem nichos como engenharia naval, de petróleo, e acho que vale o Brasil se aproveitar da expertise de outros países. Esse termo de reciprocidade cumpre sim o papel estratégico, melhorando a qualificação da mão de obra, permitindo o influxo de profissionais estrangeiros qualificados, contribuindo para intercâmbio de práticas, além de posicionar a engenharia brasileira no mercado global.
Que expectativa tem o governo do Brasil em relação a esse termo?
O impacto real disso no mercado de trabalho, na mentalidade das pessoas, nas outras associações profissionais saberemos no decorrer dos anos. Entretanto, acho que essa iniciativa do Confea com a OEP merecia uma reflexão profunda por parte do governo brasileiro. Por exemplo, para conseguir autorização profissional, o diploma precisa ser reconhecido pela universidade. O Confea superou isso, reconhecendo diretamente o registro concedido por outra associação profissional. Todas as profissões necessitam desse tipo de reconhecimento? Existem maneiras de superar de dificuldade institucional?
O Itamaraty sugere esse tipo de inciativa do Brasil com outros países?
O Itamaraty vê com muito bons olhos esse tipo de iniciativa, mas o governo não pode impor esse tipo de aproximação. É o tipo de construção que vem de baixo para cima, identificado o interesse entre as associações profissionais e articulação feita a partir dessa.
Qual a importância desse termo para a geração de empregos nos dois países e para o desenvolvimento da Engenharia em ambos?
Esse contato dos profissionais com realidade de outros mercados serve para abrir portas. Os brasileiros que vão atuar em Portugal não estão simplesmente atuando em um país ibérico, estarão atuando em um país que faz parte da União Europeia.
O profissional brasileiro vai participar de um mercado mais globalizado, lidar com outras normas técnicas, tipos de materiais, isso expande o conhecimento e o campo de atuação. Essa mobilidade que é oferecida ao profissional dá a ele a oportunidade de atuar lá fora sem ter de romper com o Brasil, o que aconteceu muito nos anos 80, em que muitos talentos foram atuar em outros países e não voltaram.
Já para os profissionais portugueses, o Brasil, por causa do pré-sal, engenharia de petróleo, apresenta-se como uma oportunidade para esses se especializarem nesses setores. Podem surgir nichos próprios, assim como foi o caso da engenharia de redes, que surgiu a partir da engenharia de telecomunicações.
Quais poderão ser as oportunidades que esse termo irá proporcionar para os jovens profissionais brasileiros?
A formação deles será mais globalizada. Sabendo que o seu registro já permite atuação em outro país amplia o horizonte.
O senhor acredita que o termo pode proporcionar integração (social, diplomática) entre os dois países? Se sim, de que forma isso pode acontecer?
Seria uma forma de externalidade. Quando se aumenta o número de brasileiros em Portugal e portugueses aqui, aumenta-se o contato de relação entre essas pessoas, que resultam em casamento, formação de família, e isso permite trocas culturais, com efeitos que são propagados ao longo de gerações. Do mesmo jeito que Estado tem de refletir os anseios da sociedade, a relação entre Estados acaba refletindo a relação entre essas sociedades.
Fernanda Pimentel
Equipe de Comunicação do Confea